➤REPORTAGEM ESPECIAL: | O grito de resistência proclamado pelos artistas rio-pretenses ecoou nas redes sociais, após sofrerem represálias 'por uma onda conservadora, fortalecida por políticos de extrema direita'. E tudo por conta da nudez no espetáculo de dança 'A Fé Que Acostumou a Falhar', apresentado dias 7 e 8 em Buritama (SP). A polêmica repercutiu nas mídias, dividiu opiniões e tornou-se um dos assuntos mais comentados da última semana nas redes sociais.
➤ENTENDA A POLÊMICA DA SEMANA.
➤VEJA A REPERCUSSÃO NAS REDES SOCIAIS!
Os artistas do Núcleo Arcênico de Criações foram as vítimas da vez, ameaçados no seu direito à liberdade de expressão. (Foto: Reprodução/Facebook) |
🎬 por Clóvis Assis
A t o r e s & M í d i a s
A polêmica —por conta de cenas de nudez— que levou à "quase censura" do espetáculo de dança 'A Fé Que Acostumou a Falhar' encenado pelos bailarinos Vinícius Francês, Clarissa Maria e Alexandre Manchini Jr. (Núcleo Arcênico de Criações) nos últimos dias 7 e 8 de setembro na cidade de Buritama (SP), mostra que a arte é esse raio que há milênios mexe efetivamente com o espírito da humanidade.
A arte não só entretém, diverte, informa, educa, mas também choca, por ser uma reprodução fiel que retrata a cultura e os costumes sociais dos povos desde a antiguidade!
Entretanto, no conceito político-social dos dias de hoje a manifestação artística está a ser questionada, basicamente por uma patrulha de militantes ‘politicamente corretos’, como se a arte fosse um manifesto “que agride, ameaça, que escandaliza e fere a sociedade conservadora".
E, nesta guerra de vozes 'distorcidas' (que ecoa nas mídias) vence o que grita mais pelo direito a liberdade sem censura, ou os que podem encher plataformas e redes sociais de robôs (perfis fakes, pré-programados) para influenciar as massas e disseminar o ódio quando lhe falta bons argumentos?
Portanto como nenhuma obra artística está imune desta impetuosa patrulha midiática —composta por "pseudos-formadores-de-opinião", que se autodenominam representantes da moral e dos bons costumes— os artistas do NAC foram as vítimas da vez, agredidos e ameaçados no seu direito à liberdade de expressão.
REPRESSÃO ARTÍSTICA
AMEAÇADOS diante da repercussão polarizada na Rede, pautada na informação de que havia três corpos nus no palco do Centro Cultural da cidade, e pela pressão política de oposição, os artistas e produtores do NAC sofreram todo o tipo de agressão verbal, difamação e calúnia nas redes sociais. E por pouco não "foram expulsos" da cidade sob acusações de estimular "a sem-vergonhice e bancar a cultura do sexo irresponsável e inconsequente”.
Na berlinda, a priori o elenco do Núcleo Arcênico sentiu-se acuado pelos representantes da administração municipal de Buritama. Pressionado contra a parede o grupo rio-pretense teria de optar: "ou substituía o espetáculo por outro, ou adaptava a dramaturgia excluindo as cenas de nudez da trama".
Caso não concordasse, a peça A Fé Que Acostumou a Falhar seria "penalizada" com o cancelamento da sessão do sábado, dia 8 de setembro (um eufemismo para 'velada censura'). “Sim! ponderou-se censurar uma obra artística; mais uma nesses tempos tenebrosos em que vivemos no país!”, desabafou Alexandre Manchini Jr., bailarino e diretor do espetáculo produzido pelo Núcleo Arcênico de Criações (NAC) de Rio Preto (SP).
Entretanto, o grupo sentiu-se encorajado e decidiu enfrentar esta 'luta política' de cabeça erguida: “Não somente levamos duas apresentações gratuitas de um espetáculo de dança-teatro à cidade de Buritama, como, também, tivemos que lutar politicamente e tolerar ofensas verbais pela internet para conseguir apresentá-la”, declarou o diretor .
Os bastidores desse conflito vivenciado pela trupe rio-pretense repercutiu na imprensa, nos veículos de comunicação, ganhou força nas mídias digitais e tornou-se um dos assuntos mais comentados da última semana nas redes sociais. A polêmica dividiu opiniões na Internet e reacendeu a discussão em torno de temas como Sexo, Religião, Política, Família, Preconceito, Arte...etc.
⏩ASSISTA AO VÍDEO | Cenas 'A Fé Que Acostumou a Falhar'⏬
(Reprodução: Facebook/NúcleoArcênicodeCriações)
>ENTENDA A CONFUSÃO;
CONFIRA OS ACONTECIMENTOS:
CONTEMPLADO pelo ProAc (Lei de incentivo à arte e cultura do Estado de São Paulo) o espetáculo A Fe Que Acostumou a Falhar da trupe rio-pretense segue cumprindo a agenda de apresentações gratuitas pelo interior do estado, conforme contrapartida do projeto de lei paulista.
Após a pre-estreia dia 18 de agosto, com sucesso de publico e critica, no Teatro do Sesc Rio Preto (SP) o grupo pegou a estrada para a turnê pelo interior do estado.
Por coincidência do destino ou não, exatamente no Dia da Independência do Brasil o grupo chega a cidade de Buritama (SP) para duas apresentações (Dias 7 e 8 de setembro), agendadas por Luciene Santos Cândido, responsável pela Divisão de Cultura, departamento do Governo Municipal de Buritama (SP).
A divulgação do espetáculo, publicada pela assessoria de imprensa no Facebook oficial da administração municipal, evidenciava o conteúdo da peça, bem como a recomendação: "A classificação é 16 anos e o espetáculo contém cenas de nudez".
O anúncio também incluiu a sinopse: "O Núcleo Arcênico de Criações propõe investigar os caminhos da palavra fé, desde seu espectro renovadorde alento e resiliência, até atingir o extremismo e violência contra as minorias. (...) A Fé é uma peça de dança-teatro (...). O público será questionado sobre o que entende de 'Fé'".
(Veja abaixo o link original do anuncio no Facebook oficial da Prefeitura).
Segundo Manchini Jr. a primeira sessão (no dia 7/09) para uma plateia de 60 pessoas no Centro Cultural da cidade ocorreu como previsto, e ao final os artistas foram aplaudidos de pé pelos espectadores.
“A obra contou com devolutivas positivas vindas das pessoas presentes, classificando o trabalho como necessário!”, avaliou o diretor, realizado pelo êxito da produção e pelo sucesso alcançado junto aos espectadores.
O CONFLITO
(Imagem: Reprodução) |
PORÉM a alegria do grupo durou pouco. Na tarde seguinte os artistas foram surpreendidos por uma advertência enviada por meio de um aplicativo de mensagens, assinada por Luciene Santos Cândido, responsável pela Divisão de Cultura do município.
O texto da mensagem os notificava da extrema preocupação do governo municipal "pela repercussão nas redes sociais [supostamente negativa] da primeira apresentação do espetáculo".
“Tivemos uma péssima repercussão sobre o teatro, pelo motivo dos integrantes estarem nus o tempo todo”, argumentou a assessora, em nota enviada pelo WhatsApp.
Em seguida o texto sugeria uma “alternativa” para o cancelamento da peça.
“Vcs [sic] não teriam um outro espetáculo para colocarem [sic] no lugar?”, insinuou, com a justificativa de que a “cidade é pequena”.
“É complicado trabalhar com isso. Vcs [sic] irão embora e depois ficamos com os problemas todos”, argumentou Luciene. (Veja a reprodução da mensagem na imagem acima).
Manchini Jr. conta que várias das fotografias que foram tiradas [sem autorização do grupo] durante a encenação do espetáculo, foram amplamente propagadas na Internet. “A informação de que a peça continha nudez passou a circular na cidade, gerando comentários maldosos na comunidade buritamense, que se aterrorizou”, declarou.
CONFORME entendimento do Núcleo Arcênico o problema não teria sido as 60 pessoas que de fato assistiram a peça no Centro Cultural e repercutiram seu conteúdo, mas sim, por "conta de uma pressão política".
“Juntou-se a isso o oportunismo de um vereador, recém cassado, diga-se de passagem, que em publicação em sua página no Facebook questionou a administração do governo eleito na cidade”, afirmou o diretor.
O vereador que polemizou a nudez no Centro Cultural de Buritama foi Ronaldo Ramos Fernandes (PSD) —de fato ele teve seu mandato cassado pela Câmara de Buritama "por quebra de decoro parlamentar", conforme publicado na última sexta-feira (14) no site da Folha da Região. (clique aqui).
(>Leia + mais sobre o vereador no G1 - Clique aqui).
Em seu perfil na rede social o vereador publicou quatro fotos ["não autorizadas"] da peça e protestou: “(...) me aparece agora a apologia ao nu e a total falta de respeito às famílias de Buritama no Centro Cultural. O dinheiro do povo está sendo usado para estimular a 'sem vergonhice [sic]' e bancar a cultura do sexo irresponsável e inconsequente. Não posso me calar diante de tamanho absurdo. E desrespeito com tda [sic] comunidade cristã (...)”. (Veja o post original logo abaixo).
⏬(Reprodução link original/Facebook)
O NÚCLEO ARCÊNICO de Criações, no entanto, protestou e desmentiu as informações publicadas pelo vereador Ronaldo Ramos Fernandes. No Facebook o grupo se defendeu, esclarecendo as inverdades divulgadas pelo político. “Primeiro: a apresentação não recebeu nenhuma verba do governo municipal de Buritama; segundo: não há menção alguma ao sexo nesta peça”, declarou o NAC, em nota de repúdio.
“É comum, ex-vereador, atrelar somente o objetivo sexual à um corpo nu, porém a história ensina que a imagem de um corpo sem roupas pode conter inúmeros significados. Talvez, este ímpeto de sexualizar o corpo diga menos respeito à peça e mais sobre quem somente vê sexo na obra”, completou.
A notícia replicada por internautas nas redes sociais desencadeou uma série de manifestações, em censura a peça. “Por parte de, majoritariamente, pessoas que não assistiram a obra e, tampouco, sabiam seu real conteúdo”, afirmou o diretor do espetáculo.
▼VEJA ABAIXO ALGUNS COMENTÁRIOS DE PROTESTOS▼
A COMPLICAÇÃO
Afrontado o Núcleo Arcênico teve de decidir entre duas possibilidades: “Combater a visão deturpada e leviana a partir da execução da peça e do debate acerca de seus conteúdos; ou amedrontar-se frente o levante moralista”.
Diante da solução proposta pelos assessores do município de Buritama (de substituir o espetáculo por outro) o Núcleo não hesitou. Argumentou que, por razões óbvias, não havia a possibilidade de apresentar outra obra no lugar de A Fé Que Acostumou a Falhar, muito menos fazer uma sessão de improviso.
Então os representantes na tentativa de chegarem a uma solução, apresentaram outra condição: “Manter a apresentação da peça, porém sem nudez ou usar pouquíssima luz ["para não dar para ver!"]. "Ou seja, teríamos que cobrir os corpos nus justamente numa obra que aborda a libertação dos dogmas sociais impostos a partir do símbolo do corpo despojado de cascas.”, retrucou Manchini Jr.
No entanto, a proposta foi recusada pelo grupo! “A resposta, claro, foi de que não cobriríamos os corpos!", replicou o diretor, acrescentando que a única possível alteração da obra seria a cena em que dois dos intérpretes vão à plateia.
Segundo o diretor esta mudança só foi sugerida por razões de segurança dos artistas, por conta do contexto ameaçador, no qual havia o risco de sofrerem agressões. "Decidimos por esta alteração não por compactuarmos com o falso moralismo das críticas de quem, reafirmamos, em sua grande maioria, não havia assistido à obra”, sustentou. “Propusemos então a contratação de seguranças particulares por nossa conta, uma vez que o município não poderia providenciar tal medida por questões burocráticas”.
Frente à resistência do grupo de manter a apresentação com nudez, a discussão foi então transferida para um outro assessor da prefeitura municipal para que então fosse dada a “sentença final”: decidir definitivamente se cancelaria ou não a apresentação da segunda sessão da obra. “Sim! Ponderou-se censurar uma obra artística”, alarmou Manchini Jr.
“Então destacamos aos responsáveis que, em caso de cancelamento, seriam necessárias justificativas formais que explicassem as circunstâncias da não realização da segunda sessão na cidade, dado o compromisso assumido com a contrapartida do projeto junto ao ProAC”.
⏬(Reprodução link original/Facebook)
O DESFECHO
Por fim, de acordo com Alexandre Manchini Jr. mesmo sem nenhum argumento artístico surtir efeito, o compromisso assumido pelo município de Buritama frente ao governo do Estado de São Paulo o fez de maneira mais eficaz. A apresentação do espetáculo foi enfim liberada, após acordo firmado entre os gestores culturais do município e os integrantes do grupo.
“Após reunião entre assessor e responsáveis pela programação do evento na cidade, a apresentação foi então permitida”, suspirou aliviado o Núcleo Arcênico de Criações ao vencer mais esta batalha na carreira, contra o preconceito e a volta da censura.
IRONIA OU NÃO, coincidência ou não, justo na Semana Da Pátria em que os brasileiros comemoraram 197 anos da independência do Brasil, o grito de D. Pedro I —“Independência ou Morte!”— deu lugar à um novo brado: desta vez, pelo direito à liberdade de expressão artística e cultural.
"Resistir sempre! Temer jamais", proclamou o Núcleo Arcênico de Criações no dia 8 de Setembro de 2018. É o grito de justiça, à 'não-censura', em nome da Arte Brasileira e de todos os artistas, produtores e coletivos artísticos.
⏬Veja abaixo a íntegra da Nota de Repúdio do NAC.
(Reprodução link original/Facebook)
'A ARTE VENCE O MEDO'
OUTRAS VOZES ergueram-se e somaram-se ao trabalho e trajetória do Núcleo, garantindo mais esta vitória dos artistas brasileiros na ‘luta politica’ contra a ditadura [velada] da censura no País!
“Agradecemos a todos e todas (em sua maioria, ao público presente) que se posicionaram na resistência frente ao levante reacionário e moralista que tentou impedir uma apresentação artística na cidade de Buritama!”
“A arte vence o medo!”, ressalta os integrantes do grupo. Por isto o blog Atores & Mídias abraça essa causa e convoca a todos para juntos gritarmos a uma só voz: “Resistir sempre! Temer jamais!”.
(Por Clóvis Assis | Atores & Mídias)
>CONFIRA A REPERCUSSÃO DA POLÊMICA NAS REDES SOCIAIS
O SOCIÓLOGO e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) nos lembra de que há um tanto de cinismo na nossa sociedade, principalmente daqueles que tentam impor seus gostos à multidão.
São os tais ‘politicamente corretos’, que dizem o que é e o que não é, o que deve e o que não deve, o que cabe e o que não cabe. São os que impõem seus gostos, não pela compreensão do que é belo, do que é arte, mas porque dizem e impõem “isto ou aquilo é belo, isto ou aquilo é arte”.
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➤INCENTIVO CULTURAL:
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